Contabilidade Pública - Sistema único é diferente de software único

Contabilidade pública - Sistema único é diferente de software único
Entendimento de Nilton de Aquino Andrade – Contador CRCMG 41599 IBRACON 2281


Com relação à matéria publicada em mídias sociais, pelo nobre Conselheiro e consultor de órgãos públicos Professor Milton Mendes Botelho, com o título “PREFEITURA E CÂMARA SÃO OBRIGADAS A UTILIZAREM O MESMO SOFTWARE CONTÁBIL, assim também como artigo escrito pelo nobre Professor Paulo Henrique Feijó, os quais respeitamos, mas que temos entendimento divergente, sobre o qual apresentamos os seguintes fundamentos:

O conteúdo LC 101/00, art. 48, § 6º, da Lei de Responsabilidade Fiscal expressa o seguinte:

§ 6o - Todos os Poderes e órgãos referidos no art. 20, incluídos autarquias, fundações públicas, empresas estatais dependentes e fundos, do ente da Federação devem utilizar sistemas únicos de execução orçamentária e financeira, mantidos e gerenciados pelo Poder Executivo, resguardada a autonomia. (Incluído pela Lei Complementar nº 156, de 2016). (grifo nosso).

Os municípios não têm como desenvolverem os seus próprios softwares. Eles não possuem recursos o bastante para isso, assim como a União e os Estados que têm autarquias ou empresas públicas com fins específicos na área de tecnologia e podem desenvolver o próprio software. Citamos como exemplo o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI, sob a responsabilidade do SERPRO e o Sistema Integrado de Administração Financeira de Minas Gerais – SIAFI-MG, que está sob a responsabilidade da Secretaria do Estado da Fazenda de Minas Gerais em parceria com a PRODEMGE.

Também vale ressaltar que, o fato de investir em sistema próprio, tendo em vista os valores de locação ou cessão de uso de software no mercado, não é economicamente viável para a maior parte dos municípios brasileiros, que são em sua maioria de pequeno e médio porte.
Considerando também que o custo-benefício, não se justifica que os municípios, com exceção de capitais ou aqueles mais abastados de receita própria, desenvolvam o seu próprio software, tendo em vista a manutenção de pessoal especializado interferindo em sua folha de pagamentos e ainda considerando a rotatividade das pessoas em vistas das opções oferecidas pelo mercado.

Assim, os sistemas de informática e os softwares são obtidos por meio de licitação, seja por meio de aquisição, seja por meio de cessão de uso. Estes devem ser adequados às leis, às normas contábeis do Conselho Federal de Contabilidade, aos Manuais de Contabilidade aplicada ao setor público, elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional, assim como nos padrões estabelecidos pelos Tribunais de Contas a que são jurisdicionados.
As diversas empresas brasileiras que participam dos processos licitatórios buscam atender as exigências dos órgãos, ora mencionados, tratando-se de uma obrigação para se manterem no mercado. O nosso mestre Paulo Henrique Feijó, menciona eu seu artigo que:

c) sistemas – Não será possível implantar essas mudanças sem que os atuais sistemas de informações contábeis que operam no setor público sejam modernizados e estejam adequados ao novo contexto, com destaque para adequações ao padrão contábil exigido pelo Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP) e pela sistemática de consolidação das contas públicas a partir da institucionalização do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (SICONFI). (1)

Assim também, cabe ressaltar que temos ainda que os dados da Contabilidade Pública não se originam em si, ou sejam, não são imputados diretamente nele. A Contabilidade está integrada com outros sistemas, tais como folha de pagamentos, tesouraria, tributação, compras, licitações, almoxarifado, patrimônio e frotas. A contabilidade não anda mais sozinha, ela obrigatoriamente tem que estar integrada aos demais setores de uma administração.

Já existe a figura do sistema de contabilidade sistematizado, ou seja, adota-se o padrão. A tendência das empresas é que elas se especializem cada vez mais. Cada uma em um ponto e não se pode generalizar quanto mais se especializar, melhor. Ir neste sentido de sistema único seria monopolizar os fornecedores e tirar a autonomia do órgão.

Mas antes de tratarmos de termos da Legislação, em primeiro lugar, cabe ressaltar que o conceito de sistema não quer dizer software. Para se referir a software o legislador deveria trazer um complemento na palavra para expressar “sistema operacional”. A expressão sistema em si e´ é um conjunto de métodos. Conforme Aurélio é:

1 - Conjunto de princípios verdadeiros ou falsos reunidos de modo que formem um corpo de doutrina.
2 - Combinação de partes reunidas para concorrerem para um resultado, ou de modo a formarem um conjunto: Sistema nervoso; sistema planetário.
3 - Modo de organização: O sistema capitalista.
4 - Modo de governo, de administração, de rotação: Os sistemas eleitorais.
5 - Conjunto de meios e processos empregados para alcançar determinado fim.
6 - Conjunto de métodos ou processos didáticos.
7 - Método, modo, forma.
8 - Conjunto de órgãos compostos pelos mesmos tecidos e destinados a funções análogas.
9 - Grupo de corpos celestes associados e que giram segundo as leis de gravitação.
10 - Conjunto de ideias científicas ou filosóficas logicamente solidárias, consideradas mais em sua coerência que em sua verdade.
11 - Períodos que separam as eras: Sistema devoniano.
12 - Modo de distribuição ou disposição das cordilheiras quando se apresentam mais ou menos no mesmo sentido.
13 - Método de classificação no emprego de um só ou de um pequeno número de caracteres: O sistema de Lineu.
14 - Modo de distribuição dos seres da natureza.
15 - Classificação dos seres que tem somente por fim facilitar o estudo dos mesmos seres.
16 - Reunião dos intervalos musicais elementares compreendidos entre dois limites sonoros extremos e agradáveis ao ouvido. (Fonte: https://dicionariodoaurelio.com/sistema)


Quando o Dicionário faz referência a sistema, o mesmo elenca vários complementos à palavra. Assim vejamos:

17 - por sistema: sistematicamente; de caso pensado.
18 - sistema das ondulações: teoria que explica a propagação da luz por vibrações e ondas luminosas.
19 - sistema de acoplamento: sistema de circuitos ressonantes e linhas de transmissão utilizado para transferir energia de um transmissor para uma antena.
20 - sistema de arrefecimento: sistema de resfriamento ou de refrigeração.
21 - sistema de equações: conjunto de várias equações que ligam simultaneamente diversas variáveis.
22 - sistema de exploração: conjunto de programas que permitem gerar as diversas tarefas de um computador e descarregar os usuários de toda a programação de rotina.
23 - sistema de forças: conjunto de um número limitado de forças aplicadas a um mesmo corpo sólido.
24 - sistema de referência: conjunto de corpos (eles próprios considerados como fixos, pelas necessidades da demonstração) por analogia com aqueles que definem o movimento de um outro corpo.
25 - sistema de unidade: conjunto coerente de unidades de medida.
26 - Sistema Internacional de Unidades: sistema que substituiu o sistema métrico em 1962 e que compreende sete unidades de base: metro, quilograma, segundo, ampere, kelvin, mol e candela (sigla: SI).
27 - sistema de vídeo: sistema que permite a transmissão das imagens e do som à distância.
28 - sistema mercantil: o que considera o numerário como a verdadeira representação da riqueza de uma nação e proíbe ou diminui as importações.
29 - sistema métrico: Ver métrico.
30 - sistema monetário europeu: sistema de harmonização das trocas das diferentes moedas europeias (sigla: S.
31 - sistema nervoso: conjunto dos órgãos que recebem, transmitem e transformam o influxo nervoso.
32 - sistema nubloso: conjunto dos diferentes tipos de nuvens que acompanham uma tempestade completa.
33 - sistema operacional: software que permite controlar o hardware de um computador e a execução de programas. (grifo nosso)
34 - sistema solar: sistema que estabelece o Sol como centro dos movimentos da Terra, dos planetas e de outros astros menores. (Fonte: https://dicionariodoaurelio.com/sistema)


Dessa forma, junto ao item 33, acima mencionado, o autor identifica a expressão “sistema operacional”: software que permite controlar o hardware de um computador e a execução de programas”.

Fazendo referência ao texto da Lei, mencionado no art. 48, § 6º, conforme menciona, o ilustre jurista José Souto Tostes.” - “Definitivamente, com a análise do parecer daquela casa de leis, o texto refere-se a sistemas contábeis, atribuindo, à União, a definição dos controles e mecanismos de manipulação dos números de cada ente federativo.’

Em outra menção do autor, apresenta mais argumentos, como: “Ainda analisando o caso, no contexto em que o mesmo é apresentado, entendemos, de forma muito objetiva, que o legislador visou criar mecanismos UNIFORMES para o manuseio e publicação dos dados contábeis e financeiros dos entes públicos.”

Isso quer dizer que o legislador não tratou de software único. Buscando outros pontos da legislação em que a palavra ‘SISTEMA” é utilizada, como se observa, todas as vezes que se usa a expressão “sistema de controle interno”, o que se diz na expressão é o conjunto de métodos e critérios que devem ser adotados pelos órgãos públicos. Não se mencionou na expressão software de controle interno. Isso pode ser comprovado na leitura do art. 59 da mesma Lei de Responsabilidade Fiscal.

Art. 59. O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão o cumprimento das normas desta Lei Complementar, com ênfase no que se refere a: (...) (grifo nosso).

Esta expressão grifada, inclusive, comprova que cada ente ou entidade tem o seu sistema de controle interno.
Vejamos também que a própria União utiliza os termos Sistema para diversos mecanismos de controles nas políticas públicas, criadas constitucionalmente.

Como por exemplo, o Sistema Único de Saúde foi criado pela Constituição Federal, em seu art. 198 e devidamente regulamentado pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.

CF, Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...)

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Parágrafo único renumerado para § 1º pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000).

Lei 8.080 - Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

Reforçando os conceitos, o Portal do Ministério da Saúde apresenta o conceito de Sistema Único de Saúde (SUS):

O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial, por meio da Atenção Básica, até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. Com a sua criação, o SUS proporcionou o acesso universal ao sistema público de saúde, sem discriminação. A atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, passou a ser um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda a vida, com foco na saúde com qualidade de vida, visando a prevenção e a promoção da saúde. (Fonte: http://portalms.saude.gov.br/sistema-unico-de-saude).

Assim também, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispões sobre a organização da Assistência social, expressa em seu art. 6º, que o conceito de sistema é abrangente para a respectiva área. Assim, vejamos:

Art. 6o A gestão das ações na área de assistência social fica organizada sob a forma de sistema descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de Assistência Social (Suas), com os seguintes objetivos: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

Atendendo os mandamentos legais, também o Portal do Ministério do Desenvolvimento Social apresenta o conceito de Sistema Único de Assistência Social (SUAS):

A Assistência Social é organizada em um sistema descentralizado e participativo denominado Sistema Único de Assistência Social (Suas), conforme estabelece a nova Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004). O Suas, implantado em 2005, é um sistema constituído nacionalmente com direção única, caracterizado pela gestão compartilhada e cofinanciamento das ações pelos três entes federados e pelo controle social exercido pelos Conselhos de Assistência Social dos municípios, Estados e União. No Suas, as ações da assistência social são organizadas tendo como referência o território onde as pessoas moram, considerando suas demandas e necessidades. Os programas, projetos, serviços e benefícios devem ser desenvolvidos nas regiões mais vulneráveis, tendo a família como foco de atenção. As ações da assistência social no Suas são organizadas em dois tipos de proteção: básica e especial, e desenvolvidas e/ ou coordenadas pelas unidades públicas: Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) e Centros de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (Centro POP) e de forma complementar, pela Rede Socioassistencial Privada do SUAS. (Fonte: http://mds.gov.br/acesso-a-informacao/mds-pra-voce/carta-de-servicos/gestor/assistencia-social/suas).


Também, fazendo referência à segurança pública, a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, que “disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal; cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS); institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), e expressa o seguinte:

Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), com a finalidade de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade. (grifo nosso).

Reforçando os conceitos, o Portal do Ministério da Justiça apresenta o conceito de Sistema Único de Segurança Pública (SUSP):

A criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) é um marco divisório na história do país. Implantado pela Lei nº 13.675/2018, sancionada em 11 de junho, o Susp dá arquitetura uniforme ao setor em âmbito nacional e prevê, além do compartilhamento de dados, operações e colaborações nas estruturas federal, estadual e municipal. Com as novas regras, os órgãos de segurança pública, como as polícias civis, militares e Federal, as secretarias de Segurança e as guardas municipais serão integrados para atuar de forma cooperativa, sistêmica e harmônica. Fonte: (http://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1544705396.44).

Quanto à Consolidação:

Não se questiona o fato de o Poder Executivo editar regras para a consolidação das informações e ou dados contábeis para efeito de prestações de contas, mesmo porque o conceito de consolidação significa soma ou junção. Constata-se pelo art. 67, Inciso III, da LC nº 101/2000, que a consolidação busca harmonização e coordenação entre as entidades e os entes da federação.

Art. 67 (...) III - adoção de normas de consolidação das contas públicas, padronização das prestações de contas e dos relatórios e demonstrativos de gestão fiscal de que trata esta Lei Complementar, normas e padrões mais simples para os pequenos Municípios, bem como outros, necessários ao controle social;(grifo nosso).

A necessidade de consolidar está ligada diretamente à liberdade institucional e constitucional dos órgãos que atuam sob um mesmo plano de contas. Ou seja, o ato de consolidar significa a junção do que é individualizado ou independente. Exigir a padronização de leiautes, uso de plano de contas padrão, isso já é padronizado a nível nacional. Agora, a exigência de prestação de contas consolidada já existe.

Ainda com relação ao § 6o do art. 48, da Lei de Responsabilidade Fiscal, é preciso levar em consideração a expressão “resguardada a autonomia”. Ignorar esta expressão seria violar o dispositivo legal vigente, mesmo porque foi uma luta para que o Poder Legislativo conquistasse a sua autonomia TOTAL e isso ocorreu após a vigência da Constituição de 1988.

Também, defende esta tese o jurista Dr. GUILHERME LUÍS DA SILVA TAMBELLINI, e pode ser verificado em artigo publicado pelo em seu artigo “Câmara Municipal: competência para normatizar licitações e contratos Administrativos” . Em seu trabalho, cita o seguinte:

Tendo restado clara a capacidade da Câmara para a condução dos procedimentos licitatórios que sejam indispensáveis para a obtenção de bens e serviços destinados a garantir suas atividades constitucionalmente previstas, com a inalienável manutenção de sua autonomia em relação ao Poder Executivo Municipal, dela decorre a responsabilidade pela perfeita condução do certame, com rigorosa observância das exigências da legislação licitatória, dentre elas, a definição das condições específicas que regerão, tanto o procedimento em si, quanto a execução do contrato, das quais se destaca:

Na ausência de legislação local, deve ser considerada a autonomia entre os Poderes Executivo e Legislativo, da qual decorre a competência de cada um deles para disciplinar a matéria, para suas atividades internas:

“O governo municipal realiza-se através de dois Poderes: a Prefeitura e a Câmara dos Vereadores, com funções específicas e indelegáveis, nos termos dos arts. 2º, 29 e 31 da CF. [...]

Consequentemente, a Prefeitura e a Câmara de Vereadores exercem suas atribuições com plena independência entre si e em relação aos Poderes e órgãos da União e dos Estados membros.

Não há subordinação ou dependência entre os dois Poderes da Administração local; agem, ou devem agir, com ampla liberdade dentro da esfera própria de cada um, no ambiente de harmonia e independência recomendado pela Constituição Federal aos Poderes da União, extensivo também aos Poderes municipais.” (Grifamos).

Termo de Referência:


Quanto a elaborar um Termo de Referência padrão pode até ser salutar, mas tende a direcionar o resultado da licitação, inviabilizando a concorrência entre licitantes. Inclusive o Art. 30, § 5o, da Lei de Licitações, expressa que são vedadas exigências não previstas em lei, que inibam a participação em licitação. Vejamos:

§ 5o É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação.

Os Municípios, por meio do Poder Executivo, quando editam regras, não quer dizer que eles farão uma licitação única. Cada entidade faz a sua licitação; e mesmo que se utilizem um Termo de referência padrão, poderão obter resultados diferentes. Poderá a licitante “A” vencer no Poder Executivo, a licitante “B” vencer no Poder Legislativo e a licitante “C” vencer numa autarquia ou fundação municipal.

Considerando que o art. 70 da Constituição Federal foi mencionado de forma a defender o sistema único para as entidades, ao nosso ver o referido dispositivo Constitucional não menciona meios de consolidação e de software de contabilidade pública. Isso ficou a cargo da Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme art. 48, § 6o já comentado.

A Constituição Federal em seu art. 37, § 8º reafirma a autonomia entre órgãos e entidades da administração direta e indireta da administração pública, reforçando que o Poder Legislativo tem sim sua autonomia garantida constitucionalmente junto ao artigo 37, § 8º:

§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Também pode ser mencionado que os Tribunais de Contas, as Câmaras e Assembleias pertencem sim à Administração Direta, mas eles têm as suas autonomias para publicar concursos, elaborar normas internas, contratarem mediante licitação etc. Seus itens de patrimônio podem pertencer ao ente federado, mas a gestão está a cargo do gestor eleito para tal fim. Os seus repasses de duodécimos são a sua fonte de recursos para custearem as suas despesas, conforme determinação constitucional.

A seguir, apresentamos o parecer completo do ilustre Dr. José Souto Tostes, advogado inscrito na OAB/RJ com o nº 85.199, Publicado em: http://soutotostes.blogspot.com/2017/02/prefeituras-e-camaras-sao-obrigadas.html (3)

A questão chega por meio de um cliente que comercializa sistemas de informática (softwares) para órgãos públicos. Ele informa, que um de seus vendedores foi abordado por um cliente, que afirmava que o novo texto do artigo 48, § 6º da Lei de Responsabilidade Fiscal, obrigava os entes pertencentes a um município, a contratar o mesmo sistema de informática.

Por exemplo, se a prefeitura utiliza os sistemas da empresa 'A', a Câmara de Vereadores deveria também utilizar o sistema de informática da mesma empresa 'A'.

Nosso parecer foi o seguinte:

'Consultam-nos acerca do interesse legal tutelado no artigo 48, § 6º, se o mesmo refere-se a sistemas de informática ou não.

A consulta teria início após, uma empresa que comercializa sistemas de informática, ter dito que os entes públicos de um município, todos eles, devem usar os mesmos softwares. Exigindo, de um cliente daquela empresa, que ele aderisse ao contrato empreendido com a empresa que ele representa.

Passemos à análise do texto referido, constante do artigo 48, § 6, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O texto foi inserido na Lei de Responsabilidade Fiscal por meio da EMENDA CONSTITUCIONAL nº 6, PLC nº 54/2016, que é a LEI COMPLEMENTAR nº 156/2016, relatado pelo Senador Ricardo Ferraço.

O texto proposto tinha a seguinte redação:
§ 6° Todos os Poderes, órgãos referidos no art. 20, incluídas autarquias, fundações públicas, empresas estatais dependentes e fundos do ente federativo devem utilizar sistemas únicos de execução orçamentária e financeira, mantidos e gerenciados pelo Poder Executivo, resguardada a autonomia.'

Após as correções das comissões ganhou pequenas e insignificantes modificações, passando a ter a seguinte redação, que foi publicada:

§ 6o Todos os Poderes e órgãos referidos no art. 20, incluídos autarquias, fundações públicas, empresas estatais dependentes e fundos, do ente da Federação devem utilizar sistemas únicos de execução orçamentária e financeira, mantidos e gerenciados pelo Poder Executivo, resguardada a autonomia.

A praxe legal é que a interpretação das leis, segundo o dizer da nova doutrina, pós edição do Código Civil de 2002, entende que existem algumas teorias utilizadas na interpretação, uma delas é a do contexto histórico e do sentido que o legislador quis dar a ela:

'A interpretação histórica veria a norma na dimensão temporal em que ela se formou, pesquisando a occasio legis, as circunstâncias que presidiram à sua elaboração, de ordem econômica, política e social, o que se reflete particularmente no Direito Civil, um Direito de formação histórica e jurisprudencial, profundamente influenciado por tais elementos' (Professor Francisco Amaral - retirado do site do STJ).
In casu, para entendermos o sentido que o legislador quis dar ao artigo 6º, buscamos o texto constante da análise legislativa, quando de sua aprovação pelo Senado Federal.

O parecer do Senador Ricardo Ferraço afasta, por completo, a interpretação literal, que pode gerar desencontros interpretativos, levando a crer que o texto faz referência a 'sistemas', no sentido de softwares ou sistemas de informática.

Definitivamente, com a análise do parecer daquela casa de leis, o texto refere-se a sistemas contábeis, atribuindo, à União, a definição dos controles e mecanismos de manipulação dos números de cada ente federativo.

'A presente emenda visa a incluir no Projeto de Lei da Câmara n° 54, de 2015, artigo que altera a redação do artigo 48 da Lei Complementar n° 101, a Lei de Responsabilidade Fiscal. O objetivo é o de aperfeiçoar os requisitos de transparência da gestão fiscal já existentes.

Neste sentido, são introduzidos parágrafos que determinam que o órgão central de contabilidade da União irá definir a periodicidade, o formato e o sistema em que as informações e os dados contábeis, orçamentários e fiscais serão disponibilizados ao público.

Também é proposto que o Ministério da Fazenda defina, em instrução específica, as informações necessárias para a constituição do registro eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas interna e externa, a ser alimentado com informações dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios'.

O texto da análise do Senado é claro, não há qualquer referência a softwares ou sistemas informatizados, mas ao formato, ao modelo de publicação dos atos e dados governamentais.
Trata-se exclusivamente de modelos de transparência, visando uniformizar como, cada ente, deve manipular e divulgar as contas de sua responsabilidade.

Ainda analisando o caso, no contexto em que o mesmo é apresentado, entendemos, de forma muito objetiva, que o legislador visou criar mecanismos UNIFORMES para o manuseio e publicação dos dados contábeis e financeiros dos entes públicos.

Para confirmar isso, basta que analisemos o constante da própria ementa da Lei Complementar nº 156/2016, que é o seguinte: Estabelece o Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal;

Ou seja, tal ementa legislativa não guarda qualquer relação com a interpretação dada, de que se referiam a sistemas de informática ou softwares.

Note-se que o próprio texto analisado fala em autonomia dos poderes e dos entes públicos. Exigir que sejam definidos, por lei, que um sistema de informática seja adotado por todos os entes, fere de morte o princípio da autonomia.

Ademais, os sistemas de informática e os softwares devem sim, ser adequados às leis, às normas contábeis e aos planos dos Tribunais de Contas, nunca a empresas ou modelos por ela estabelecidos.

Dar interpretação no sentido de que as mesmas empresas devem atender aos poderes de um município por exemplo, é afrontar a inteligência mediana de qualquer intérprete, pois estaria-se ferindo o princípio da autonomia, já citado, o princípio da economicidade e a obrigatoriedade da licitação.

Os sistemas e softwares são contratados via licitação, por cada ente, que estabelece até características próprias que desejam de seus prestadores de serviço.

Imaginem que seja editada uma norma legal, pelo Senado, por exemplo, obrigando a todos os entes públicos a adquirirem uma única marca padronizada de pneus ou de veículos ou obrigar, como quer fazer crer o intérprete, que a prefeitura e a Câmara Municipal sejam obrigadas a usar um mesmo fabricante de veículos. Várias normas seriam afetadas, conforme estabelecido acima.

Assim sendo, descartamos qualquer interpretação que considere a palavra SISTEMAS, do artigo 48, § 6º, como sendo sistemas de informática ou softwares.

In casu, obviamente que o sentido dado à palavra é o de uniformização de mecanismos de publicidade e transparência. Por outro lado, até que novo regulamento seja editado, nem isso pode ser exigido dos entes.

É o parecer!

José Souto Tostes, advogado inscrito na OAB/RJ com o nº 85.199. Publicado em: http://soutotostes.blogspot.com/2017/02/prefeituras-e-camaras-sao-obrigadas.html

É preciso destacar ainda, que com a tecnologia disponível nos dias atuais, se o fornecedor de SISTEMA para a PREFEITURA e o fornecedor de SISTEMA para a Câmara forem diferentes, mas compostas de profissionais conhecedores, eficientes e éticos, a INTEGRAÇÃO Contábil dos dois órgãos, para atender a qualquer legislação, ocorrerá de maneira NATURAL, RÁPIDA, SEGURA e TRANSPARENTE. Aliás, são centenas os Municípios que já atuam assim, pois, atualmente as remessas das consolidações de dados aos órgãos fiscalizadores são enviadas normalmente e CERTAMENTE NÃO estão sendo feitas de forma MANUAL.

Temos ainda que, no caso do Estado de Minas Gerais, o SICOM do TCE-MG atingiu um nível tão alto de qualidade, quantidade e disponibilidade de informações que os desenvolvedores de sistemas informatizados comprometidos e capacitados já desenvolveram as integrações entre sistemas informatizados de Contabilidade Pública de fornecedores diferentes, através dos arquivos do SICOM disponíveis no SITE do TCE-MG. Através deles, a Prefeitura obtém todos os dados de cada órgão do Município, consolida e gera as informações solicitadas e que serão publicadas nos portais disponíveis na INTERNET.

Tudo rápido, fácil e seguro, pois, é NORMA enviar o SICOM e SICONFI completo e em dia. Quem cumprir as normas vigentes e enviar os dados os dados consolidados. Desta maneira, como consolidar os órgãos municipais, os órgãos estaduais e os órgãos federais? Aliás, como consolidar o BRASIL?
Para isso nasceu o PCASP – o Plano de Contas aplicado ao setor público, cujo sistema de Contabilização obedece ao PADRÃO da STN. Ou seja, se o PCASP é uma exigência para todos, ele então passou a ser o SISTEMA que cada órgão deve usar para consolidar dados contábeis, trazendo a transparência necessária.

Portanto, o Sistema de Contabilidade Pública desenvolvido por qualquer empresa de desenvolvimento de sistemas TEM que adotar o PCASP da STN e cada órgão público, no caso municipal, precisa exigir no seu Termo de Referência que o Sistema de Contabilização e o Plano de Contas devam obrigatoriamente adotar o PCASP disponibilizado pela STN, com detalhamento do TCE jurisdicionado, naturalmente, sempre na sua última versão.

Resumindo, vimos expor o nosso entendimento de que o sistema único mencionado no art. 48, § 6o NÃO SIGNIFICA SOFTWARE ÚNICO. Além disso, as Câmaras Municipais devem utilizar-se de sua autonomia administrativa, financeira e orçamentária, tendo licitações em o objeto licitado possa atender às exigências dos órgãos fiscalizadores e receptores das prestações de contas.

O assunto em questão é merecedor das mais sofisticadas e detalhadas discussões técnico-acadêmicas, uma vez que desperta entendimentos variados entre os profissionais consagrados da Contabilidade Pública. O contador contempla também, como exercício da sua profissão, o incentivo às discussões públicas sobre temas variados. Este tema não pode ficar sob a penumbra de uma discussão comercial, preocupado apenas com o nicho de negócios de quem quer que seja.

É o nosso entendimento.

Contador e Mestre em Contabilidade Nilton de Aquino Andrade – CRCMG 41599 e IBRACON 2281.

FONTES:

(1) Fonte: https://www.gestaopublica.com.br/blog-gestao-publica/a-lrf-e-a-obrigatoriedade-de-que-o-ente-utilize-um-unico-siafic-parte-1-contexto-historico-e-o-padrao-federal-como-referencia.html?fbclid=IwAR0cz4i5qWbPtq2Nd4Eri5NhKyPb895vhAilwZXeMR8FaDOTpERXn07mkuk  

(2) Fonte: Publicado em: http://soutotostes.blogspot.com/2017/02/prefeituras-e-camaras-sao-obrigadas.html 

(3) Fonte: TAMBELLINI, Guilherme Luis da Silva. Câmara Municipal: competência para normatizar licitações e contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3198, 3 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/21427. Acesso em: 11 jan. 2019.